segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Tercerizando sensibilidades - Poeasiamiga

Antônio Adriano de Medeiros


Além de excepcional sonetista, este poeta escreve, com propriedade e proficiência, cordéis - também outros tipos de textos.

É um dos poetas que mais admiro, neste e em todos os tempos - pelo que escreve, óbviamente, mas também por ser um grande incentivador de minhas escritas,desde que o conheci em um grupo de poesia virtual, creio que há uns 10 anos atrás.

Possui um blog aonde encontrar-se-á diversas poesias deste psiquiatra, cujo primeiro choro ecoou-se na Paraíba, em Santa Luzia.

http://antonioadrianomedeiros.blogspot.com/




DO BREVE ENCONTRO DE LAMPIÃO COM JESUS

Só eu conheço os segredos

que a Poesia me deu.

Só eu conheço os mistérios

que o velho Tempo escondeu:

o futuro e o passado,

o nascido e o finado

no presente que sou eu.


Quando Lampião morreu

pôs fim a um desatino

– Pois ninguém pode ser justo

sendo um tenaz assassino:

Satanás foi pro portão

com seu tridente na mão

esperar por Virgulino.


Todavia, quis Destino

a coisa mais complicada,

porque o Rei do Cangaço

teve a cabeça arrancada

e, assim sendo, fez jus

ao Decreto de Jesus

da Alma Martirizada.


Aquela que foi queimada;

o que foi cortado ao meio;

a beleza ultrajada

sem os olhos, sem um seio

– Mesmo que vá pro Inferno

passa no Jardim Eterno

pra se reparar o feio.


E assim ao Céu veio

após morrer Lampião

para ser avaliado

pelo São Sebastião.

O santo olhou o Processo

e disse assim: – “Sem sucesso.

Pode descer para o Cão!”


Mas o ex-Rei do Sertão

foi um homem devotado

ao Santo Padim Ciço

e Jesus Crucificado.

Abecou Sebastião,

botou o santo no chão

e gritou: – “Ô seu viado,


Eu não respeito soldado

nem de Jesus, nem do Cão!

Um macaco me degola,

outro dá condenação?

Daqui não me vou embora!

Vão chamar Nossa Senhora,

Jesus, ou mesmo o Chefão!”


– Leitora, leitor irmão:

o cangaço invade o Céu!

Eram onze os degolados

com Bonita, a mais fiel!

Pulam sobre Bastião,

querem arrombar um portão...

Sai correndo Gabriel.


Logo o Arcanjo Miguel

chega à toda disparada:

– “Selvagens! Bestas humanas!

Não conhecem a minha espada?

Virgulino, não esqueça:

se arranco a sua cabeça,

vai ficar sempre arrancada!”


Bonita fica assustada

e Miguel entra sem dó:

– “Eu já enfrentei a Besta,

mas a mulher é pior:

Quanto mais meto a espada

mais se diverte a danada

querendo mais e maior!”


– “Macaco Arcanjo, é melhor

você me tratar direito

porque se Seu Chefe sabe

que me tratou de tal jeito,

você tá frito, meu nêgo,

pois vai perder seu emprego

e de todos o respeito!”


A Virgem pulou do leito

porque Francisco a chamou

e foi, bela e radiante,

pr’onde a briga começou:

– “Peço a todos paciência!

Somos contra a violência...

Bom Jesus nos ensinou!”


Lampião se ajoelhou

ao ver Virgem Maria

e a briga terminou

às sete e trinta do dia.

Maria se retirou

e Gabriel entregou

uma carta que trazia.


– “Da Mais Alta Hierarquia

das Hostes Celestiais

trago um Comunicado

aos que a manhã nos traz;

os tais onze degolados

e que foram condenados

às profundas infernais.


O Nosso Reino é de Paz,

Fraternidade e Perdão.

Por isso que Bom Jesus

– O Mais Puro Coração –

após pesar com prudência,

pra evitar violência

vai receber Lampião.


Os demais, em procissão,

queiram aguardar lá fora

pois nossa Repartição

necessita, sem demora,

atender os mutilados

que vêm de todos os lados

para a sua ùltima hora.


Senhor Virgulino agora

aja com educação.

O Nosso Reino é de Paz,

não comporta confusão.

Se um revolucionário

tenta ser incendiário

Jesus lhe dá confissão.”


Em seguida Lampião

foi para outro aposento,

levado pelo Arcanjo

e seguido por São Bento.

Bom Jesus a esperar,

ele pôde descansar

em confortável assento.


Enfim chegou o momento,

brilhou uma forte Luz

– Sinal de que vinha Alguém

cuja Presença reluz! –

Lampião, que era caolho,

ganhou até mais um olho

para contemplar Jesus.


– “Ó Mestre que bem conduz

o rebanho à Salvação!

Sou ovelha desgarrada

que seguiu a Lobo Cão.

Mas foi pra fazer justiça

que deixei muita carniça

sobre a terra do sertão!”


– ”Agiste por emoção,

meu filho, não por amor.

Pois responde, Lampião,

a quem chamas de Senhor:

Pode-se fazer justiça

multiplicando a carniça

na estrada do rancor?”


– “Eu fui grande pecador,

mas toda noite rezava.

Se passava numa igreja

boa oferenda dava.

Fazia o Sinal da Cruz

e pensava em ti, Jesus,

toda vez que a um matava.”


– “Se de mim tu te lembravas

quando matavas alguém,

ou me tomavas por cúmplice

– Coisa que não me convém –

ou quem sabe te lembravas

que quando a um outro matavas

tu me matavas também.”


– “Ave Maria e Amem!

Tenho cara de romano?

Por acaso sou Pilatos,

o governador tirano?

Ou serei o Caifás

que juntou-se a Satanás

quando urdiu astuto plano?”


– “Quais eles tu és humano,

Virgulino Lampião.

Mas tu foste educado

decerto como cristão:

quando a outro maltratavas

era a mim que tu matavas

dentro de teu coração!”


– “Eu me chamo Lampião

pois minha arma reluz

como fogo quando aceso

ou como um facho de luz.

Fui pobre e fui perseguido;

fui herói e fui bandido:

fui igual a Ti, Jesus!”


– “Todos têm a sua cruz ,

mas não te faças de tonto

te dizendo igual a mim...

Acreditas nesse conto:

Tu fizeste o que eu fiz?

O teu próprio nome diz:

és Virgulino, eu sou Ponto.”


– “Eu também fiz contraponto

para a lei do carcará.

Fui cordeiro perseguido

]por gato maracajá.

Briguei com onça pintada

em minha terra explorada,

e sendo um simples preá.”


– “A serpente o bode dá

por confiar na peçonha.

Se você se diz pequeno

na verdade me embronha:

logo caia carapuça

e se mostra a sua fuça,

orgulhoso sem-vergonha...”


– “Bom Jesus tenho vergonha

de O ter deixado irritado...

Rezei tanto pro Senhor,

fui um cristão devotado...

Confiei no teu perdão,

mas vejo que foi em vão:

vivi a vida enganado...”


– “O meu perdão está dado,

mas meu juízo é reto.

Admitir-te no Céu

jamais seria correto.

Justiça com as próprias mãos

e matando a teus irmãos...

O Inferno é o teu teto!”


Jesus saiu tão discreto

que Lampião nem notou:

quando tentou responder

não mais a Ele encontrou.

Outra porta se abriu

e o cangaceiro ouviu:

– “O teu mestre já chegou!”


E no recinto adentrou

um sujeito muito pabo.

Lampião lhe perguntou:

– “É o senhor o Diabo?”

– “Sou teu irmão Satanás!”

Lampião olhou pra trás

e viu que ganhara um rabo.


– “Lampião, não fique brabo,

nem de vergonha vermelho.

Agora não podes ver,

que aqui não tenho espelho.

Bonita foi infiel:

nem bem saía do Céu

já te fez do boi parelho...”


Lampião em destrambelho

mãos na cabeça botou

e um belo par de chifres

ele ali o encontrou.

Mas se vendo endiabrado

em vez de ficar zangado

o danado gargalhou.


Antônio Adriano de Medeiros

Nenhum comentário: