Antônio Adriano de Medeiros
Além de excepcional sonetista, este poeta escreve, com propriedade e proficiência, cordéis - também outros tipos de textos.
É um dos poetas que mais admiro, neste e em todos os tempos - pelo que escreve, óbviamente, mas também por ser um grande incentivador de minhas escritas,desde que o conheci em um grupo de poesia virtual, creio que há uns 10 anos atrás.
Possui um blog aonde encontrar-se-á diversas poesias deste psiquiatra, cujo primeiro choro ecoou-se na Paraíba, em Santa Luzia.
http://antonioadrianomedeiros.blogspot.com/
DO BREVE ENCONTRO DE LAMPIÃO COM JESUS
Só eu conheço os segredos
que a Poesia me deu.
Só eu conheço os mistérios
que o velho Tempo escondeu:
o futuro e o passado,
o nascido e o finado
no presente que sou eu.
Quando Lampião morreu
pôs fim a um desatino
– Pois ninguém pode ser justo
sendo um tenaz assassino:
Satanás foi pro portão
com seu tridente na mão
esperar por Virgulino.
Todavia, quis Destino
a coisa mais complicada,
porque o Rei do Cangaço
teve a cabeça arrancada
e, assim sendo, fez jus
ao Decreto de Jesus
da Alma Martirizada.
Aquela que foi queimada;
o que foi cortado ao meio;
a beleza ultrajada
sem os olhos, sem um seio
– Mesmo que vá pro Inferno
passa no Jardim Eterno
pra se reparar o feio.
E assim ao Céu veio
após morrer Lampião
para ser avaliado
pelo São Sebastião.
O santo olhou o Processo
e disse assim: – “Sem sucesso.
Pode descer para o Cão!”
Mas o ex-Rei do Sertão
foi um homem devotado
ao Santo Padim Ciço
e Jesus Crucificado.
Abecou Sebastião,
botou o santo no chão
e gritou: – “Ô seu viado,
Eu não respeito soldado
nem de Jesus, nem do Cão!
Um macaco me degola,
outro dá condenação?
Daqui não me vou embora!
Vão chamar Nossa Senhora,
Jesus, ou mesmo o Chefão!”
– Leitora, leitor irmão:
o cangaço invade o Céu!
Eram onze os degolados
com Bonita, a mais fiel!
Pulam sobre Bastião,
querem arrombar um portão...
Sai correndo Gabriel.
Logo o Arcanjo Miguel
chega à toda disparada:
– “Selvagens! Bestas humanas!
Não conhecem a minha espada?
Virgulino, não esqueça:
se arranco a sua cabeça,
vai ficar sempre arrancada!”
Bonita fica assustada
e Miguel entra sem dó:
– “Eu já enfrentei a Besta,
mas a mulher é pior:
Quanto mais meto a espada
mais se diverte a danada
querendo mais e maior!”
– “Macaco Arcanjo, é melhor
você me tratar direito
porque se Seu Chefe sabe
que me tratou de tal jeito,
você tá frito, meu nêgo,
pois vai perder seu emprego
e de todos o respeito!”
A Virgem pulou do leito
porque Francisco a chamou
e foi, bela e radiante,
pr’onde a briga começou:
– “Peço a todos paciência!
Somos contra a violência...
Bom Jesus nos ensinou!”
Lampião se ajoelhou
ao ver Virgem Maria
e a briga terminou
às sete e trinta do dia.
Maria se retirou
e Gabriel entregou
uma carta que trazia.
– “Da Mais Alta Hierarquia
das Hostes Celestiais
trago um Comunicado
aos que a manhã nos traz;
os tais onze degolados
e que foram condenados
às profundas infernais.
O Nosso Reino é de Paz,
Fraternidade e Perdão.
Por isso que Bom Jesus
– O Mais Puro Coração –
após pesar com prudência,
pra evitar violência
vai receber Lampião.
Os demais, em procissão,
queiram aguardar lá fora
pois nossa Repartição
necessita, sem demora,
atender os mutilados
que vêm de todos os lados
para a sua ùltima hora.
Senhor Virgulino agora
aja com educação.
O Nosso Reino é de Paz,
não comporta confusão.
Se um revolucionário
tenta ser incendiário
Jesus lhe dá confissão.”
Em seguida Lampião
foi para outro aposento,
levado pelo Arcanjo
e seguido por São Bento.
Bom Jesus a esperar,
ele pôde descansar
em confortável assento.
Enfim chegou o momento,
brilhou uma forte Luz
– Sinal de que vinha Alguém
cuja Presença reluz! –
Lampião, que era caolho,
ganhou até mais um olho
para contemplar Jesus.
– “Ó Mestre que bem conduz
o rebanho à Salvação!
Sou ovelha desgarrada
que seguiu a Lobo Cão.
Mas foi pra fazer justiça
que deixei muita carniça
sobre a terra do sertão!”
– ”Agiste por emoção,
meu filho, não por amor.
Pois responde, Lampião,
a quem chamas de Senhor:
Pode-se fazer justiça
multiplicando a carniça
na estrada do rancor?”
– “Eu fui grande pecador,
mas toda noite rezava.
Se passava numa igreja
boa oferenda dava.
Fazia o Sinal da Cruz
e pensava em ti, Jesus,
toda vez que a um matava.”
– “Se de mim tu te lembravas
quando matavas alguém,
ou me tomavas por cúmplice
– Coisa que não me convém –
ou quem sabe te lembravas
que quando a um outro matavas
tu me matavas também.”
– “Ave Maria e Amem!
Tenho cara de romano?
Por acaso sou Pilatos,
o governador tirano?
Ou serei o Caifás
que juntou-se a Satanás
quando urdiu astuto plano?”
– “Quais eles tu és humano,
Virgulino Lampião.
Mas tu foste educado
decerto como cristão:
quando a outro maltratavas
era a mim que tu matavas
dentro de teu coração!”
– “Eu me chamo Lampião
pois minha arma reluz
como fogo quando aceso
ou como um facho de luz.
Fui pobre e fui perseguido;
fui herói e fui bandido:
fui igual a Ti, Jesus!”
– “Todos têm a sua cruz ,
mas não te faças de tonto
te dizendo igual a mim...
Acreditas nesse conto:
Tu fizeste o que eu fiz?
O teu próprio nome diz:
és Virgulino, eu sou Ponto.”
– “Eu também fiz contraponto
para a lei do carcará.
Fui cordeiro perseguido
]por gato maracajá.
Briguei com onça pintada
em minha terra explorada,
e sendo um simples preá.”
– “A serpente o bode dá
por confiar na peçonha.
Se você se diz pequeno
na verdade me embronha:
logo caia carapuça
e se mostra a sua fuça,
orgulhoso sem-vergonha...”
– “Bom Jesus tenho vergonha
de O ter deixado irritado...
Rezei tanto pro Senhor,
fui um cristão devotado...
Confiei no teu perdão,
mas vejo que foi em vão:
vivi a vida enganado...”
– “O meu perdão está dado,
mas meu juízo é reto.
Admitir-te no Céu
jamais seria correto.
Justiça com as próprias mãos
e matando a teus irmãos...
O Inferno é o teu teto!”
Jesus saiu tão discreto
que Lampião nem notou:
quando tentou responder
não mais a Ele encontrou.
Outra porta se abriu
e o cangaceiro ouviu:
– “O teu mestre já chegou!”
E no recinto adentrou
um sujeito muito pabo.
Lampião lhe perguntou:
– “É o senhor o Diabo?”
– “Sou teu irmão Satanás!”
Lampião olhou pra trás
e viu que ganhara um rabo.
– “Lampião, não fique brabo,
nem de vergonha vermelho.
Agora não podes ver,
que aqui não tenho espelho.
Bonita foi infiel:
nem bem saía do Céu
já te fez do boi parelho...”
Lampião em destrambelho
mãos na cabeça botou
e um belo par de chifres
ele ali o encontrou.
Mas se vendo endiabrado
em vez de ficar zangado
o danado gargalhou.
Antônio Adriano de Medeiros
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